10 maio 2009

RESTAURANTE AS SALGADEIRAS

A força do destino

José Quitério

Destino atractivo e compensador com lista diversificada.

Quase no limite sul do Bairro Alto, a Rua das Salgadeiras liga a Rua da Atalaia e a Rua do Norte nos respectivos começos. Quanto à origem do nome, entre os olissipógrafos a doutrina não é pacífica (expressão muito acarinhada nas antigas sebentas jurídicas coimbrãs). Norberto de Araújo (1889-1952) aponta vagamente "ainda uma evocação da borda de água" (tal como no caso, segundo ele, da Rua das Gáveas, por terem sido os marítimos da Ribeira das naus os primeiros a habitar o que viria a ser o Bairro Alto). Diversa é a opinião de Gustavo de Matos Sequeira (1880-1962), para quem se trata mesmo das plantas chamadas salgadeiras, "comummente empregadas para fixar terras movediças em barrancos", como aqui acontecia então. Seja como for, a "serventia transversal, curta e inexpressiva" do tempo de mestre Norberto tem hoje galerias de arte, lojas de culto, paredes alarvemente borradas por falsos grafitos e este restaurante aonde vamos, chamado também ele As Salgadeiras.

Inaugurado há cinco anos, ocupando o espaço do que foi uma padaria, pode gabar-se da recuperação do tijolo-burro e da pedra de arcos e paredes, bem como dos dois fornos, um transformado em salinha ideal para casais arrulharem. Mesas de aparelhamento muito cuidado, cadeiras de couro onde se podem sentar 40 dentaduras, ambiente desafectadamente distinto.
A lista é suficientemente diversificada e está assim dividida e quantificada: 12 Entradas, 6 Pratos do Fiel Amigo, 10 Pratos de Peixe, 8 Pratos de Carne e 5 Bifes do Lombo. Ainda antes de entrar por elas, referência aos "pastéis de bacalhau" (mencionados na alínea do couvert, €2 a unidade), de competentes doseamento, textura e fritura. Propriamente das Entradas, que abrangem sopas e saladas, passaram-se quatro umbrais. A "sopa de peixe à Salgadeiras" (€11,50), daquelas que vêm tapadas por massa folhada, aliás louvável, exibiu-se em creme espesso, com abundantes filamentos de cherne e de tamboril e camarão esparso, bem temperada e saborosa, no género nutritivo. Assente em pão frito, de miscigenação feliz, frio, o "tártaro de polvo" (€7,15) foi bom trato do povo. Simplesmente salpicado por fragmentos de pimentos vermelho e amarelo, mais um fio de azeite e hortelã ornamental, o "carpaccio de bacalhau" (€7,25) atingiu o desiderato. Interessantes os "mexilhões salteados" (€10,25), conquanto sobressaíssem alho e azeite.

Dos Bacalhaus, onde também figura uma sopa, colheu-se o "bacalhau à Zé do Pipo" (€18,75): executado consoante a receita canónica e como tal de resultado e aspecto apetitosos, apenas a junção duns pickles com o respectivo avinagrado lhe macularam o brilhantismo total. Extraíram-se dois números dos Pratos do Peixe. De recheio estimável e genuíno puré de batata, deram boa conta de si as "lulas recheadas à Salgadeiras" (€14,95). No "filete de linguado em massa folhada com espinafres" (€17,95) reconheceu-se a correcta feitura e a companhia exquise (pétalas de rosa verdadeira), verificando-se, todavia, que o linguado em si (talvez sim com outro peixe) não é favorecido com este acomodamento. Dos Pratos de Carne, em que há outros preparados de porco, de vitela e borreguinho, abordaram-se "migas de espargos bravos com lombinhos de porco" (€13,95), conjunto agradável, e "cabrito à moda de Monção" (€19,75), assado no forno, vencedor em todos os aspectos, incluindo o acompanhamento de batatinhas e castanhas assadas e esparregado. Deixaram-se os bifes de lombo em sossego, como a linda Inês.
A doçaria apresenta-se em octeto apreciável, com variação no chamado "doce de ovos conventual" (€6,25) e que num dos dias calhou ser o "fidalgo", primoroso. Carta de vinhos por regiões, sem datas, registando 68 tintos, mais 16 ditos da Garrafeira (estes datados), 19 brancos, 6 verdes brancos, 4 champanhes e 2 espumantes, com muitos a copo e excelente serviço vínico. Igualmente competente e amável o restante serviço.
Cozinha-se bem por aqui e o envolvimento contribui para o bem-estar (não obstante o preçário um bocadinho salgado), pelo que As Salgadeiras é destino atractivo e compensador.

As Salgadeiras
Rua das Salgadeiras, 18LisboaTel. 213 421 157 (Só serve jantares; fecha às segundas)

8 de Mai de 2009
http://aeiou.expresso.pt/a-forca-do-destino=f512569