27 outubro 2008

PODER...

Opinião

Poder no Bairro Alto


Em nome da regulação tão na moda neste tempo de crise financeira, a Câmara de Lisboa despachou novos horários para os estabelecimentos de restauração e bebidas no Bairro Alto.

A intervenção do poder político passaria sem mais se não surgisse envolvida dos piores hábitos: a mão invisível da máquina partidária e o arbítrio burocrático, que deixa todos à mercê do poder político da corrupção.

O caso do Bairro Alto não é único. Tem, no entanto, uma bela carga emocional. Para o presidente da Câmara, António Costa, que conhece a zona desde criança e refere em despacho o emblemático da 'particularidade arquitectónica' e a 'imprensa que aí inicialmente se instalou'. Para muitos jornalistas, como eu, que ali tiveram a sua primeira redacção. Lembro, antes do 25 de Abril, do mesmo Bairro Alto ter redacções onde se escrevia livremente e os serviços estatais de censura prévia que amordaçavam a liberdade. Recordo também a dúzia de anos a trabalhar diante de uma varanda, sobre a estreita rua Diário de Notícias, com vista próxima para um quarto de serviços sexuais. De cada lado via-se o trabalho do outro. Eu a teclar com dois dedos e a emendar os linguados seguia a cinco metros as actuações de sexo ao vivo não permitidas em nenhum estabelecimento do bairro.

Os ‘peepshows’ estão ainda hoje fora da classificação dos estabelecimentos das 45 ruelas e travessas abrangidas pelo despacho. Mas não é isso que provoca polémica. O problema está na mão escondida da máquina partidária, visível nos poderes especiais que se atribuem à junta de freguesia. Pertence-lhe dar parecer sobre classificação de estabelecimentos – há desde casa de chá a cabaret – e, assim, fixar horários. E sabe-se como este poder é perverso. Na vida nacional, os empresários não se sentem à vontade para aparecer numa lista de pessoas a quem o Estado deve. No Bairro Alto, os autarcas não têm contenção a dizer o que não lhes agrada. Não gostam de certos dirigentes associativos; não gostam dos seus comunicados; não gostam até que nas últimas eleições municipais o colectivo dos comerciantes recebesse a candidata Helena Roseta, a única que aceitou o convite feito a todos os concorrentes à presidência da câmara.

Máquinas partidárias liberais não existem. Há sempre mãos invisíveis a querer agarrar o que têm ao seu alcance. No Bairro Alto e no resto do Mundo. O melhor é, por isso, estar tão atento à tal ganância selvagem de ambiciosos capitalistas como à fúria dos reguladores. Tudo devido à perigosa realidade de com leis e burocracia se gerarem gananciosos igualmente nefastos à sociedade.

João Vaz, jornalista

In Correio da Manhã, edição de 23 de Outubro de 2008, página 2

1 comentário:

  1. Parabéns pelo seu artigo,reuniu todo o meu pensamento num texto tão sucinto.
    É engraçada a maneira de funcionar das instituições do nosso Portugalinho,tenho um pedido de Parecer na junta de freguesia(Encarnação) há volta de 2 anos e até agora não obtive quaquer tipo de resposta do dito!
    Depois disso já vi a dita Presidente mais uma "turminha" passeando com um bloquinho na mão a ver todos os novos ilegais,quando nem sequer o trabalho de secretaria é despachado!
    Continuamos a ser o Pais dos pequenos Ditadores e hoje em dia os erros pagam-se caro,pois quem manda é a economia e quando um Pais toma as medidas erradas tem logo uma dúzia atrás a fazer tudo correcto no sentido de atrair público,divisas,o que quer que seja..
    Enfim!Uma vez mais Parabéns pelo seu excelente texto!

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