19 dezembro 2007

GUIA DO BAIRRO EM DISTRIBUIÇÃO


Já está em distribuição o Guia Convida sobre o Bairro Alto (nº8, de Novembro a Maio). Desta edição destaca-se um texto de Catarina Portas que, gostosamente, aqui reproduzimos:



Da noite para o dia
TEXTO CATARINA PORTAS


Dos muitos bairros de Lisboa, só um não precisa de nome: “o Bairro” é o Bairro Alto.
Sem requerer mais apresentações ou nomes de família porque não há quem o confunda. seja dia ou sobretudo noite. Pois de noite, este é um dos mais populares estribilhos noctívagos da cidade: “Vamos ao Bairro?”

Quando começa a cair a noite, como noutros bairros, fecham-se algumas portas de lojas ou cafés. Mas neste, são muito mais as que se abrem. As luzes acendem-se como lanternas marcando o trajecto, distingue-se a música que angaria a clientela, gente agitada que se aventura ruelas adentro, pronta para o que vier e estiver a dar. Nas vésperas de fim-de-semana, esquinas há onde todos se acotovelam e é preciso saber esgueirar-se cordatamente para conseguir passagem. E se a noite do Bairro é hoje assim, intensamente democrática, explosão de gente e algazarra, tendo alterado definitivamente a vida e o lugar, isso acontece porque uma noite, já lá vão 25 anos, tudo começou a mudar.
A primeira noite de todas as outras noites que se seguiram em data. Foi a 15 de Junho de 1982, numa esquina da Rua da Atalaia, que abriu as portas o Frágil. Recuperando o espaço que albergara antes uma padaria e a tasca conhecida como “da Gaivota” (porque tinha mesmo uma gaivota residente, presa por um cordel a uma das mesas), mantinha os azulejos originais mas acrescentava-lhe colunas douradas e uma antiga cortina de veludo pintada, que outrora decorara o restaurante da Torre Eiffel. De porta fechada, só entrava quem passasse pelo crivo da porteira carismática. Artistas, intelectuais, personagens e amigos fizeram do bar, que tinha então mais do clube que de discoteca, a sua sala de estar. Entre festas, concertos e decorações, a revolução desses anos pós-revolução era agora outra: a da modernidade.
O bairro que acolhia o Frágil já tinha tradição noctívaga. Vários eram os jornais que aqui residiam e noite fora faziam ressoar as máquinas de imprimir. E muitas eram as tascas e as tabernas, entremeadas com retiros de fado mais ou menos turísticos e mais ou menos duvidosos — como as meninas pelas esquinas aliás. Tudo isto convivia alegremente com outra nova geração, oriunda do vizinho Conservatório e dos seus cursos de Teatro, Cinema, Música e Dança. Na quadrícula de ruas do bairro, a invasão moderna já começara a marcar território, com o restaurante Pap’açorda, a loja e editora Cliché, a loja de objectos da Atalaia, a Galeria Leo, mais tarde o Casanostra. Mas foi a porta discricionária e eclética do Frágil que, como um íman, provocou as atenções e as tensões. Durante a década de 80, muitos outros bares tentaram alcançar-lhe a fama e cativar-lhe a clientela, como Os Três Pastorinhos, o Targus, o Sudoeste ou o Nova. Em 1987, os Rádio Macau celebraram este bairro cada vez mais cosmopolita em o “Elevador da Glória” e foi um hit:”Duma existência banal/Até às luzes da Ribalta/Há dois carris de metal/Desde a Baixa à vida alta.” E em 1989, Jorge Palma Lamentava-se:
“Adorava estar in/Mas estou-me a sentir out/ Frágil/ Sinto-me Frágil’. Finalmente em 1992, os Enapá 2000 caricaturavam as ambições de todos em “Baum”:‘Eu quero ir ao Frágil sexta-feira/Eu quero ser amigo de porteira /Eu quero vir na capa das revistas/Quero andar nos copos com os artistas’… Apesar da concorrência o Frágil permanecia singular e imbatível.



Aos aventurosos, excitantes e exclusivos anos 80, seguiu-se a década de 90, menos elitista, muito mais oferecida. Os bares de shots popularizaram-se e a cerveja em copo de plástico começou a chegar à rua E a mais gente. Os horários alargaram-se, as faunas também. Chegaram as tribos com os seus respectivos espaços, fossem góticos, mods, punks ou gays. Marcadamente alternativos, a galeria ZDB muito mais do que uma galeria, com ateliers e sala de espectáculos ocupou um belo prédio, e a especial e especializada livraria Ler Devagar instalou-se mais acima junto à rua da Rosa, num recanto sossegado. E aumentaram as mesas, abrindo muitos restaurantes, de comida exótica ou apenas pretensões in. Quando, em 1997, Manuel Reis vendeu o apertado Frágil para alargar espaço e rasgar horizontes criando o Lux, em Santa Apolónia, muita coisa mudara. Lisboa descobria a noite e o Bairro Alto as avalanches. Hoje passa pelo bairro toda a gente e cada um tem o seu poiso. O casario castiço do bairro possui espaços pequenos, assim os bares passaram a ser balcões e a rua a sua sala. A Capela, o Maria Caxuxa, o Mah Jong, o Bedroom, o Purex, a esquina do Side e do Sétimo Céu são destinos para públicos diversificados que entre encontros e desencontros, percorre o labiríntico bairro seja em bandos juvenis ou com propósitos mais individualistas.
E, surpresa, o bairro passou também a ter dia. Nos últimos anos, um novo comércio aventurou-se no Bairro. Novo, alternativo, especializado: mercearias que agora são gourmet ou bio, lojas de música, de sportswear, de roupa vintage, de acessórios fashion. Ou cabeleireiros, craft shops, embaixadas Lomo, galerias, e lojas do gadgets neo-turisticos. E, claro, muitas delas prolongam os seus horários de abertura até mais tarde do que no resto da cidade – pois este continua a ser o bairro da noite, apesar de ter mudado da noite para o dia.

1 comentário:

  1. Anónimo6/4/08 16:43

    Ah, o Bairro. A maior saudade que eu tenho, a 18000km de distancia de Portugal, e de ver o entardecer nas ruas do Bairro, com os seus cafes, lojas, restaurantes e pessoas. Todos os outros lugares no mundo perdem carisma ao serem comparados ao Bairro.

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