14 maio 2012

POLÍCIA MUNICIPAL PERSEGUE COMERCIANTES



por Margarida Davim
A porta estava fechada. Os bancos em cima das mesas. E Júlio César lavava o chão, sozinho no bar Side, no Bairro Alto, em Lisboa. Mas isso não impediu oito polícias – quatro da Polícia Municipal (PM) e quatro da Polícia de Segurança Pública (PSP) – de o ameaçarem com uma coima. O horário de encerramento era à meia-noite e já tinha passado meia-hora. «Disse-lhes que só estava a limpar, mas eles insistiram», recorda o proprietário.
Não é caso único. Desde que em Dezembro a Câmara de Lisboa (CML) decretou novos horários de encerramento para aquela zona da cidade, que os donos de bares e restaurantes se dizem vítimas de «uma perseguição policial».
António Baeta, dono do restaurante Grapes and Bites, conta que todas as noites recebe a visita da polícia. «Vêm cá pedir os mesmos papéis todos os dias e mandar os clientes embora». Muitas vezes, o proprietário não sabe como explicar aos clientes que, sobretudo quando são estrangeiros, não percebem o que se está a passar. «Um quarto de hora antes da meia-noite, já estão a pressionar as pessoas para sair», afirma, recordando uma cena de há duas semanas. «Tinha aí um grupo de 20 pessoas e eles quase as empurravam para sair. Ora, um grupo grande não paga em cinco minutos».
Facturação caiu 90%
Bartolomeu Costa Macedo, dono do Hostel Alface, tem tido o mesmo problema. «É complicado explicar aos estrangeiros. Nem nós percebemos». Até agora, o momento mais caricato foi quando «os músicos que tinham acabado de actuar estavam a comer tostas oferecidas pelo bar e a polícia queria forçá-los a sair».
A coima por estar aberto depois da hora de fecho vai dos 2.500 aos 12.500 euros. Mas, até agora, todos os comerciantes autuados contestaram, pelo que ainda nenhum pagou. Costa Macedo explica, contudo, que o mais grave é a quebra na facturação. «O Bairro só funciona bem a partir das 23h. Já tentei fazer concertos à tarde e não vem ninguém».
Júlio César fala numa «quebra de 90% da facturação», desde que é obrigado a fechar à meia-noite. «Tive de despedir quatro pessoas, que agora recebem subsídio de desemprego. É o Estado que está a pagar a factura destas novas regras».
O problema está no facto de as licenças que estes estabelecimentos têm não serem de bar. «Desde os anos 90, que não são passadas licenças de bar no Bairro Alto», recorda Belino Costa, da Associação de Comerciantes do Bairro Alto – explicando que a maneira de contornar a lei, e abrir novos estabelecimentos, foi «pedir licenças de loja com secção acessória de bar».
É isso que faz com que hoje locais que servem comida e bebida sejam, aos olhos dos regulamentos municipais, iguais às lojas de conveniência e, por isso, obrigados a fechar às 24h.
Segundo Belino Costa, os novos horários impostos pela câmara visavam «travar o fenómeno das 'litrosas' – garrafas de um litro de cerveja bebidas nas ruas». Mas, observa, «na prática, quem sofre são os bares».
E não são só os bares que se queixam. «O talho tem de fechar às 20h. Às 18h30, já lá estão os agentes, a perguntar por que é que ainda não começaram a limpar o estabelecimento, que já está há 50 anos no Bairro Alto», diz António Baeta.
Polícia diz que é 'pedagógica'
Os comerciantes temem que a situação se agrave com o Plano de Pormenor do Bairro Alto, que está em discussão pública até 28 de Maio. «A proposta diz que só os restaurantes vão ter licença nesta zona. Estão a dar cabo da tradição boémia do bairro», lamenta Belino Costa.
André Gomes, comandante da PM, justifica a actuação dos seus homens com o cumprimento da lei. «A função da Polícia Municipal é fazer respeitar os horários definidos pela CML», diz, acrescentando que até acha «pedagógico» que os polícias apareçam antes da hora de fecho. Quanto às acusações de excesso por parte da polícia – que os comerciantes dizem agir «de forma bruta e mal-educada para os clientes» –, o comando reage dizendo que «o modus operandi é subjectivo».

Contactada pelo SOL, a CML não quis comentar.
http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=49215