por
Margarida Davim
A porta estava fechada. Os bancos em
cima das mesas. E Júlio César lavava o chão, sozinho no bar Side, no Bairro
Alto, em Lisboa. Mas isso não impediu oito polícias – quatro da Polícia
Municipal (PM) e quatro da Polícia de Segurança Pública (PSP) – de o ameaçarem
com uma coima. O horário de encerramento era à meia-noite e já tinha passado
meia-hora. «Disse-lhes que só estava a limpar, mas eles insistiram», recorda o
proprietário.
Não é caso único. Desde que em Dezembro
a Câmara de Lisboa (CML) decretou novos horários de encerramento para aquela
zona da cidade, que os donos de bares e restaurantes se dizem vítimas de «uma
perseguição policial».
António Baeta, dono do restaurante
Grapes and Bites, conta que todas as noites recebe a visita da polícia. «Vêm cá
pedir os mesmos papéis todos os dias e mandar os clientes embora». Muitas
vezes, o proprietário não sabe como explicar aos clientes que, sobretudo quando
são estrangeiros, não percebem o que se está a passar. «Um quarto de hora antes
da meia-noite, já estão a pressionar as pessoas para sair», afirma, recordando
uma cena de há duas semanas. «Tinha aí um grupo de 20 pessoas e eles quase as
empurravam para sair. Ora, um grupo grande não paga em cinco minutos».
Facturação caiu 90%
Bartolomeu Costa Macedo, dono do Hostel
Alface, tem tido o mesmo problema. «É complicado explicar aos estrangeiros. Nem
nós percebemos». Até agora, o momento mais caricato foi quando «os músicos que
tinham acabado de actuar estavam a comer tostas oferecidas pelo bar e a polícia
queria forçá-los a sair».
A coima por estar aberto depois da hora
de fecho vai dos 2.500 aos 12.500 euros. Mas, até agora, todos os comerciantes
autuados contestaram, pelo que ainda nenhum pagou. Costa Macedo explica,
contudo, que o mais grave é a quebra na facturação. «O Bairro só funciona bem a
partir das 23h. Já tentei fazer concertos à tarde e não vem ninguém».
Júlio César fala numa «quebra de 90% da
facturação», desde que é obrigado a fechar à meia-noite. «Tive de despedir
quatro pessoas, que agora recebem subsídio de desemprego. É o Estado que está a
pagar a factura destas novas regras».
O problema está no facto de as licenças
que estes estabelecimentos têm não serem de bar. «Desde os anos 90, que não são
passadas licenças de bar no Bairro Alto», recorda Belino Costa, da Associação
de Comerciantes do Bairro Alto – explicando que a maneira de contornar a lei, e
abrir novos estabelecimentos, foi «pedir licenças de loja com secção acessória
de bar».
É isso que faz com que hoje locais que
servem comida e bebida sejam, aos olhos dos regulamentos municipais, iguais às
lojas de conveniência e, por isso, obrigados a fechar às 24h.
Segundo Belino Costa, os novos horários
impostos pela câmara visavam «travar o fenómeno das 'litrosas' – garrafas de um
litro de cerveja bebidas nas ruas». Mas, observa, «na prática, quem sofre são
os bares».
E não são só os bares que se queixam. «O
talho tem de fechar às 20h. Às 18h30, já lá estão os agentes, a perguntar por
que é que ainda não começaram a limpar o estabelecimento, que já está há 50
anos no Bairro Alto», diz António Baeta.
Polícia diz que é
'pedagógica'
Os comerciantes temem que a situação se
agrave com o Plano de Pormenor do Bairro Alto, que está em discussão pública
até 28 de Maio. «A proposta diz que só os restaurantes vão ter licença nesta
zona. Estão a dar cabo da tradição boémia do bairro», lamenta Belino Costa.
André Gomes, comandante da PM, justifica
a actuação dos seus homens com o cumprimento da lei. «A função da Polícia
Municipal é fazer respeitar os horários definidos pela CML», diz, acrescentando
que até acha «pedagógico» que os polícias apareçam antes da hora de fecho.
Quanto às acusações de excesso por parte da polícia – que os comerciantes dizem
agir «de forma bruta e mal-educada para os clientes» –, o comando reage dizendo
que «o modus operandi é subjectivo».
Contactada pelo SOL, a CML não quis
comentar.
http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=49215