O edifício onde funciona a ZDB foi o Palácio da Baronesa de Almeida. Ali viveu Almeida Garrett e esteve instalada a redacção do jornal Correio da Manhã (1921 a 1928).
O buraco com um triângulo de sinalização na entrada do número 59 da rua da Barroca, no Bairro Alto, Lisboa, denuncia que naquele edifício, ocupado pela Galeria Zé dos Bois (ZDB), há «work in progress» (trabalho em desenvolvimento).
Sábado e domingo, entre as 16:00 e as 22:00, as portas da ZDB estiveram abertas a quem quisesse entrar e explorar as várias salas que compõem o edifício e onde, desde Outubro, 14 artistas participam numa residência laboratorial de criação de artes visuais.
Nas palavras de Carlos Godinho, um dos três estudantes de Belas Artes que participa na residência artística, «é um projecto que concede às pessoas que querem criar um espaço com condições propícias a poderem desenvolver os seus próprios projectos, em termos de espaço e de meios».
Para o estudante do terceiro ano de Artes e Multimédia, de 23 anos, estes três meses e meio têm servido também para «conhecer pessoas e acordar para novas realidades, perceber como cada um faz o que faz e como é que as coisas podem acontecer».
A instalação/performance de Carlos Godinho pode ser vista através de um buraco numa porta. Numa das salas da ZDB, o estudante faz uma leitura do manuscrito de «Processo», de Franz Kafka.
«Estou a tocar esse manuscrito na bateria de uma forma espontânea, intuitiva. Não de uma forma completamente racional, daí a cabeça estar cortada no enquadramento. As pessoas vêem apenas a bateria e o meu corpo», explicou à Lusa.
Numa outra sala está Yonamine, um dos três artistas angolanos convidados pela ZDB para participar nesta residência.
O chão está coberto com plástico, as paredes com obras que criou nos últimos três meses e meio que passou em Lisboa.
«A minha proposta inicial era trabalhar com pasta de papel, transformar papel em merda. A essa obra dei o título de Calçada Portuguesa», descreveu à Lusa.
«Depois as paredes do Bairro Alto inspiraram-me a fazer aquele mural, que tem a ver com outro lixo. É como o jazz ou o rap. Cada um chega e põe uma coisa na parede e aquilo vai ganhando um movimento, um ritmo. Aí usei restos de trabalhos que eu tinha», explicou Yonamine, de 32 anos.
A ZDB proporcionou a este artista, que expõe frequentemente em Luanda a título individual há três anos, a oportunidade de interagir e trocar ideias com congéneres portugueses, como o pintor Gonçalo Pena.
O convite da Galeria do Bairro Alto veio mesmo a calhar. Gonçalo Pena regressou em Abril da Alemanha, onde esteve emigrado dois anos, e estava «a precisar de um espaço para trabalhar».
Durante os três meses de residência criou uma série de pinturas, a maioria em grande escala - telas com 1,5 a 2 metros - «onde os assuntos são pretextos e o mais importante é a relação com os materiais».
A abertura de portas ao público é algo que agrada a Gonçalo Pena, de 40 anos.
«É bastante mais informal do que se fosse numa galeria ou num museu. É um ambiente descontraído em que as pessoas além de observarem os trabalhos falam com os artistas», disse.
A ZDB divulgou a iniciativa deste fim-de-semana através de uma newsletter e os artistas encarregaram-se de passar a palavra a familiares e amigos, mas foram muitos os que no fim-de-semana entraram na Galeria sem saber ao que iam, como Cátia Fernandes e Ricardo Gonçalves.
«Passámos por acaso, vimos a porta aberta e decidimos entrar», contaram à Lusa.
«É um pouco estranho, não é o habitual. Mas acho que é isso que faz este tipo de iniciativas, ver coisas diferentes», disse Cátia Fernandes.
No domingo houve até quem se tenha dirigido ao n.º 59 da Rua da Barroca simplesmente para rever o edifício onde está instalada a ZDB.
«Isto foi em tempos o Palácio da Baronesa de Almeida, aqui viveu Almeida Garrett e foi local de tertúlias de intelectuais da altura. Também aqui neste local esteve a redacção do jornal Correio da Manhã, entre 1921 e 1928», explicou à Lusa Elisabete Rocha.
A funcionária da Hemeroteca de Lisboa foi com a amiga Luciana Oliveira visitar o antigo Palácio, onde ambas já não iam há algum tempo, quando se depararam com os trabalhos dos 14 artistas.
«Foi uma surpresa, não sabiamos que havia cá a exposição. Gostei imenso e acho que é uma boa recuperação deste palácio», disse Elisabete Rocha.
«Há aqui coisas muito giras. Há tantos palácios abandonados na cidade que deviam aproveitar e fazer mais espaços para os jovens se entreterem e fazerem coisas interessantes», afirmou por seu lado Luciana Oliveira.
Os 14 artistas ficam na ZDB até ao final do mês de Janeiro a terminar os projectos que começaram em Outubro.
Diário Digital / Lusa
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