Novos horários. Moradores e comerciantes descontentes levam CML a reavaliar despacho
BAIRRO ALTO -1 CÂMARA - 0
Texto ALEXANDRA CARITA Foto NUNO BOTELHO
E ao sétimo dia, a Câmara recuou. A fiscalização não funcionou, os protestos não acalmaram e a diversão nocturna no Bairro Alto manteve-se como antes. Uma semana depois da entrada em vigor dos novos horários nocturnos do Bairro Alto, a Câmara Municipal de Lisboa cedeu às reivindicações dos comerciantes e avançou com novo despacho. O recuo de António Costa anula a imposição, fixada pelo despacho de 1 de Novembro, dos proprietários dos bares, cafés, restaurantes e casas de fado terem de submeter-se à avaliação aleatória da Junta de Freguesia para obter, ou não, prolongamento do seu período de funcionamento. A minuta está pronta e o novo despacho substituirá o anterior no mais breve espaço de tempo.
Em sede de reunião com a Associação de Comerciantes do Bairro Alto (ACBA), um dia antes da entrada em vigor do novo regulamento, António Costa começou por recuar no processo, prometendo uma reavaliação do despacho que estabelece as duas da manhã como hora-limite para o fecho dos estabelecimentos de restauração e bebidas. A meio da semana respondia à chamada de atenção feita por João Nabais, advogado "patrocinador" da ACBA, que alertava para o perigo da sua "decisão política" vir a dar origem "a situações menos claras de arbitrariedade e compadrio".
De resto, durante os primeiros sete dias de vigência dos novos regulamentos os moradores continuaram a queixar-se do barulho e os comerciantes da falta de fiscalização. "Quem é que me põe a mim na rua, se nem num bar entro. Trago as bebidas comigo e fico por aqui até dar". Assim falava ao Expresso Ivo, 18 anos, já passava das três da manhã de sábado, garrafa de litro de cerveja na mão. Dessa sua garrafa de cerveja é que falam os moradores. Dessa, de milhares de outras e dos copos de plástico amontoados por todo o lado. "Precisamos que fiscalizem isto. O barulho está na rua. Não vem de dentro dos bares". A frase é de Aurora Baptista, 68 anos, moradora na Rua do Grémio Lusitano, que não viu nada mudar a esse respeito durante a semana. "Ninguém quer incomodar os moradores", salienta Belino Costa, presidente da ACBA. O seu sossego, argumento-base da CML, é objecto de reflexão até pelos clientes do Bairro. "Deve ser complicado morar aqui", repetem a Ana, o Bruno, o Francisco, a Joana, quatro dos 30 mil clientes semanais do Bairro (números da ACBA).
Em nome da autarquia fala Duarte Moral, assessor de imprensa de António Costa, que começa por classificar a situação como um "choque de interesses irresolúvel, e acaba por fazer um «mea culpa» no que diz respeito à falta de fiscalização. "Essa é uma questão escandalosa e só imputável à autarquia, que tem de se canalizar cada vez mais para a função fiscalizadora e não licenciadora, área em que já demonstrou ser ineficaz", afirma. Já sem papas na língua, João Nabais diz que "o regime de excepção que a CML quer fixar para o Bairro Alto é discriminatório" e que "cria uma espécie de reserva índia dentro de Lisboa, onde os comerciantes têm menos direitos dos que os seus pares nos restantes bairros". O advogado analisa os recuos da CML como "um sinal positivo" e acredita que a solução será encontrada até Maio. Porém, os comerciantes têm já marcada para esta noite uma marcha de silêncio e mobilizam apoios via SMS.
Expresso, 8 de Novembro de 2008, pag 31