Por Clara Silva, publicado em 9 Fev 2013
“No sábado a entrada do Mob esteve à pinha. Nem se podia entrar. A Câmara Municipal de Lisboa mandou fechar as associações culturais à meia-noite. Soubemos disso por uma dúzia de mensageiros reflectores e uma multa de 2500 a 25 mil euros.” A mensagem foi escrita na página de Facebook do Mob, a associação cultural na Travessa da Queimada, no Bairro Alto, e vem acompanhada de uma fotografia em que vários agentes de coletes reflectores bloqueiam a entrada do espaço. Precisamente a essa hora devia começar a actuação de um DJ, que nem chegou a tocar. Toda a gente foi expulsa – há quem diga que de uma forma não muito simpática – e o Mob foi obrigado a fechar portas mais cedo.
Desde então, os membros da associação, que resulta de uma parceria entre a Crew Hassan, um antigo espaço perto do Coliseu, e os Precários Inflexíveis, que se costumavam reunir nesse espaço, ainda não fizeram um comunicado oficial sobre o sucedido. Dizem apenas estar a “preparar a defesa” para conseguir voltar a fechar às 3h da manhã, como acontecia desde a abertura. “Até estar esclarecido o nosso direito a escolhermos um horário que permita manter a associação e as suas actividades, o espaço associativo fecha às 24h (quintas, sextas e sábados)”, escreveram. Acusaram também a câmara de “pouco se importar se associações como a Mob poderão sobreviver no presente cenário”.
É pouco provável. Tal como o Mob, a Associação Fantasma Lusitano, numa rua paralela no Bairro Alto, também não depende de subsídios e as receitas vêm do bar e dos concertos. E tal como o Mob, também tem tido problemas com a polícia, que expulsa toda a gente do espaço à meia-noite “por ordens da câmara”.
FANTASMA LUSITANO Os responsáveis pela associação, Jorge Bruto, vocalista dos Capitão Fantasma, e Tiago Achega, guitarrista e antigo proprietário do Clube Santa Clara, que funcionava no mesmo espaço, compreendem bem a situação. “Até à semana passada só a nós é que nos obrigavam a fechar à meia-noite”, começa Jorge, de óculos escuros. “Quando soubemos do Mob ficámos tipo: ‘A sério?’ Pensávamos que era só com a malta do rock. Ainda por cima temos uma postura completamente apartidária, não percebíamos porque é que nos estavam a chatear. Mas estamos completamente solidários. É muito chato porque não é só com os dois euros da associação [para entrar é preciso ser sócio e pagar dois euros por ano] e meia dúzia de cervejas que mantemos o espaço. Isso vem das bandas que vêm cá tocar.”
Quando a Fantasma Lusitano abriu portas, há pouco mais de dois meses, os concertos de bandas de rock começavam quase todos perto da meia-noite. “Agora tivemos de reagendar os concertos todos para as dez e meia”, diz Tiago. “O que não faz muito sentido porque a essa hora as pessoas ainda estão a jantar.” Os responsáveis pela associação já perderam a conta das vezes que a polícia apareceu para expulsar toda a gente. “É muito chato porque chegam aqui e dizem que as pessoas têm dez minutos para sair e fica tudo sem perceber. As pessoas assustam-se porque vêem um batalhão de agentes com casacos verdes, parece que é uma rusga.”
Tiago Achega garante que os vizinhos nunca se queixaram do barulho e que esse não é o problema. “Nunca tivemos queixas da vizinhança. Grande parte deles são sócios e tudo. Aliás, fizemos obras para garantir a insonorização”, continua. “A ideia da associação é promover concertos e bandas com uma programação regular e não vejo mal nenhum nisso. É um serviço que prestamos. A câmara está a tratar-nos como se fôssemos um bar mas não é o caso. Está a haver um incumprimento da lei, não estão a respeitar o regime associativo. E a própria confederação das colectividades está a preparar um parecer para pedir justificações à câmara a esta espécie de perseguição, que por agora é só a nós e ao Mob.”
FENÓMENO RECENTE Confrontada com a situação, a Câmara Municipal de Lisboa disse ao i estar perante “um fenómeno recente no Bairro Alto de instalação de um conjunto de estabelecimentos que materialmente correspondem a estabelecimentos de bebidas, mas que são explorados por associações, pretendendo assim contornar a proibição de instalação de estabelecimentos de restauração de bebidas”. Assim sendo, “o horário destes estabelecimentos geridos por associações que não têm licença para restauração e/ou bebidas é à meia-noite”.
O i contactou um jurista que aponta vários problemas à decisão da câmara. “Em primeiro lugar, o horário de um estabelecimento é atribuído pelo licenciamento e os bares, cantinas, escolas, empresas e associações estão dispensados de licenciamento, portanto não pode haver imposições de horário”, explica. “É ilegal. Além disso, uma associação só pode ser destituída por vontade dos sócios ou no caso de o seu fim não ser aquele que se propôs e aí a câmara teria de denunciar o caso ao Ministério Público. Depois também está a haver uma violação do princípio de igualdade constitucional, já que há mais duas associações deste género no Bairro Alto, a ZDB e a Loucos e Sonhadores, que não tiveram o mesmo tratamento.”
LOUCOS E SONHADORES Até agora nenhuma destas duas associações recebeu qualquer aviso da câmara. “A mim não me disseram nada, esteve apenas aqui a ASAE há uns meses a fazer uma inspecção”, diz Vítor, o dono da Associação Loucos e Sonhadores. “Estou atónito com isto tudo, nem no tempo do fascismo isso aconteceu. As associações têm autonomia e a menos que alguma coisa esteja ilegal a câmara não pode impor condições.” No entanto, considera também que tem de “haver uma discriminação positiva”. “A câmara tem de ter em conta o comportamento das associações e há quantos anos aqui estão. Nós não caímos do espaço, estamos aqui há quase dez anos e nunca tivemos problemas, não se pode meter tudo dentro da mesma bitola.”
http://www.ionline.pt/boa-vida/esta-aberta-guerra-entre-camara-lisboa-associacoes