03 março 2009

AS SETE VIDAS DO BAIRRO ALTO


Vítor Belanciano


Novo equilíbrio é necessário para o futuro do único bairro cultural de Lisboa. O episódio do encerramento dos bares às 2 da manhã apenas veio explicitar isso.


Não é novo. Já ouvimos desabafos destes ao longo dos anos ("o Bairro Alto já não é o que era", "está cada vez mais degradado", "as ruas estão uma miséria", "gente a mais"), mas no último ano as visões sombrias aumentaram. Ele é o ruído, bares em excesso, toxicodependência nas ruas ou conflitos de interesses entre os diversos actores. O equilíbrio parece em risco e a mais recente medida dos poderes públicos de encerrar os bares às duas da madrugada é apenas mais um capítulo desse debate. O Bairro Alto é importante. O "boom" dos anos 80, que o afirmou como lugar de boémia e cultura, foi determinante em termos simbólicos, mas muito antes já era lugar de encontro, de tertúlia e de animação cultural. Hoje é área residencial. É zona de comércio, animação nocturna e de restauração que não só tem resistido, nas últimas décadas, ao irromper de outros pólos (Avenida 24 de Julho, Docas, Expo) como nos últimos anos - principalmente depois da abertura do metro no Chiado - tem atraído mais gente. É em termos culturais uma das áreas mais activas e atractivas da cidade, o que pode ser constatado pela quantidade e qualidade de agentes e actividades que aí se concentram e se relacionam. É dessa conjugação de actuações, e da forma como se relacionam entre si, que depende o equilíbrio da zona. Uma harmonia que aqueles que viveram os anos 80 dizem já não existir. O "meu" Bairro "O 'meu' Bairro morreu", afirma Manuel Alvarez, arquitecto, 45 anos. "Hoje vou lá, vejo toda a gente na rua, de copo na mão e não sinto vontade de partilhar. Antes jantava-se, conversava-se, dançava-se. O Bairro Alto está moribundo. Está a morrer aos poucos." "Aborreço-me", afirma o cineasta Jorge Cramez que viveu intensamente a década de 90 [ver texto sobre o bar Captain Kirk] "Posso pensar nisso dessa forma, mas não me parece que tenha a ver com a idade. Sinto é que antes havia um ritual no sair que se perdeu." Ambos, no entanto, diferenciam a vertente diurna e nocturna, a vocação cultural da actividade noctívaga. Tal como DJ Rui Murka, 36 anos. "Hoje a minha relação com o Bairro é diurna, para comer, cortar o cabelo, fazer compras na Rua do Norte, comprar discos ou, à noite, ver concertos, exposições ou encontrar-me com alguém." Mas esta visão está longe de ser partilhada por gerações mais novas.


Com maior incidência às sextas e sábados, chegam em grupos, normalmente encontram-se na Praça Camões a partir das 22h. Pouco tempo depois enchem as ruas, o estacionamento torna-se impossível, a circulação pedonal complicada e, muitas vezes, os parapeitos das janelas servem para deixar copos vazios. "Quando tinha 15 anos ia para o Loft, em Santos, ou para o Paradise Garage, em Alcântara, porque os meus pais não gostavam que fosse para o Bairro", conta Ana Prazeres, estudante, 19 anos. "Mas há dois anos comecei a vir para aqui e gosto muito". Foi no Bairro que começou a contactar com "gente das mais diversas 'tribos'." O companheiro, Pedro Freire, 20 anos, reforça: "Isto é único, não existe nada assim no país, onde se possa vir beber um copo, ver um concerto na ZDB ou conviver nas ruas com pessoas que não se encontram em mais nenhum local." O valor icónico de lugares que marcaram as décadas de 80 e 90, como o Frágil, Três Pastorinhos ou Captain Kirk perdeu-se. Claro que continuam a existir espaços que se diferenciam (bares como Maria Caxuxa, Clube da Esquina, Mexe Café ou Purex, bares dançantes como o Frágil ou o Bedroom, livrarias como a Ler Devagar ou a Galeria ZDB), mas é na rua que tudo acontece. Apesar das tentativas de controlo, os bares multiplicaram-se. O investigador Pedro Costa, que estudou o bairro [ver texto nestas páginas], diz que os poderes públicos foram sensíveis à questão. "O problema é que isso não inviabilizou nada, simplesmente inflacionou os preços, fez com que os trespasses se fossem multiplicando e criaram-se subterfúgios, como os bares de apoio." Um dono de um bar, que prefere manter o anonimato, refere que esse é o problema do território neste momento. "É injusto olhar para todos os espaços nocturnos de forma nivelada. Alguns geram interesse cultural, porque fazem participar as pessoas numa dinâmica criativa e estimulam, enquanto outros são pequenos sítios que se limitam a vender copos para a rua. Como é possível que sejam tratados de forma uniforme?" Os conflitos no bairro, resultantes da exploração dos recursos e nas formas de os regular, não são novos. As tensões são múltiplas, seja entre residentes e frequentadores, entre moradores tradicionais e novos residentes, entre comércio tradicional e novas actividades, entre utilizadores diurnos e nocturnos ou entre agentes culturais e reguladores públicos das suas actividades. Até agora, a intervenção externa não tem sido muito necessária. Tem havido uma espécie de auto-regulação que emerge do próprio sistema do bairro, resultante de uma multiplicidade de mecanismos. Mas os perigos decorrentes do excesso - de bares e de pessoas, com o que isso acarreta de descontrole à volta - podem levar ao colapso desse processo.


O conflito à volta dos horários de encerramento apenas explicitou essa ideia. A intervenção pública poderá não fazer sentido em muitas questões, mas no caso da limitação do ruído, é defensável que aconteça, dizem os moradores. Para reduzir o barulho, a Câmara Municipal de Lisboa implementou, em Outubro, o encerramento dos bares às duas da manhã. Belino Costa da Associação de Comerciantes do Bairro Alto diz que existe uma "enorme insatisfação", já que é uma medida de excepção que "impede a concorrência em igualdade de circunstâncias com outras zonas da cidade." "Não duvido das boas intenções de quem tomou essas medidas", diz Mário Augusto, designer, de 29 anos, que vive na zona, "o problema são os efeitos colaterais. Agora toda a gente sai dos bares em massa à mesma hora, ficando a marinar por aí, criando focos de tensão. É como a história dos 'graffiti'. Toda a gente sabe que as zonas onde são proibidos são as preferidas de quem os faz. Ou seja, ao querer reprimir-se, está-se a convidar." A questão dos horários é apenas uma, entre outras, reveladora de conflitos de interesses, num momento em que a área vive momentos de transformação. O receio da especulação imobiliária - intensificado desde que se soube da reconversão, em condomínio privado, do Convento dos Inglesinhos - ou o temor que a zona se torne demasiado turística, são outros temas que provocam debate aceso. Mas, apesar do equilíbrio precário e da insatisfação de muitos actores envolvidos na dinâmica de um bairro cultural com as características do Bairro Alto, nada de essencial ainda se perdeu. Ao longo da história a zona tem conseguido manter o seu dinamismo e apresentado uma grande capacidade de regeneração. Hoje continua a manter públicos, renovando-os, e conserva o ambiente - apesar de se poder dizer que está mais degradado - que lhe deu reputação, ao mesmo tempo que manteve as redes e formas específicas de interacção com outras actividades que lhe permitiram afirmar-se. Nas cidades estáveis, maduras e dinâmicas, com suficiente massa crítica, existe grande capacidade de renovação. Há aptidão para alimentar, periodicamente, novos ambientes criativos.


Nos últimos anos, o prolongamento do Bairro Alto tem sido encetado na direcção do bairro da Bica, Cais do Sodré, Cais da Pedra (Lux) ou Santos. Mas até pode acontecer que surja um novo eixo cultural e boémio noutra zona da cidade. "Lisboa tem dimensão para ter outros bairros culturais", defende Pedro Costa, "mas necessitariam de uma actuação pública mais vincada do que acontece no Bairro Alto, seja no sentido de facilitar a apropriação do espaço pelas actividades culturais, seja de disciplinar as operações urbanísticas que lá acontecem." Quem sabe se qualquer coisa capaz de gerar uma dinâmica semelhante à do Bairro Alto não poderá nascer na Baixa, em Braço de Prata (Cabo Ruivo), onde a reutilização de espaços inexplorados é possível, na Almirante Reis, onde as rendas ainda são baratas, ou na zona industrial de Alcântara? O Bairro Alto, algo congestionado, até era capaz de agradecer.


http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=224422

5 comentários:

  1. Este artigo está claramente dominado pela visão de que "o bairro devia ser o sítio dos intelectuais e dos seus amigos". Humpf.

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  2. Anónimo4/3/09 00:18

    A propósito o Bedroom não era uma loja de roupa e salão de chá?Como passou a ser miraculosamente bar? Tambêm tem componente cultural? Se tem gostaria que me xplicassem qual é?
    Este artigo é tendencioso e tenta levar o leitor ao tempo em que o Bairro Alto era elitista e fechado.
    São normais esses tipos de3 comentários,os tempos mudam e as coisas evoluem,daqui a 15anos nada vai estar igual e vão igualmente aparecer saudosistas a dizer que o Bairro Alto de agora é que era bom!
    É de salientar o forte lobbie da rua da rosa e de alguns proprietários de estabelecimentos.
    Em qualquer reportagem aparece constantemente referenciado a rua do norte, a maria caxuxa(se era fábrica,como obteve licença de bar?),Clube da Esquina, Mexe Café ou Purex, bares dançantes como o Frágil ou o Bedroom.Aliás algumas das vezes que a imprensa vem ao Bairro é através destes lobbies e foca-se essencialmente nestes estabelecimentos,indo apenas a outras ruas filmar com câmaras escondidas o tráfico de droga! Hilariante!Hiolariante é tambêm esta ACBA que apenas defende interesses de alguns dos seus associados e Direcção!Enfim,uma grande macacada.
    Uma palavra ao Sr arquitecto de 45anos que diz que o Bairro "morreu",O Bairro não morreu,assim como o sr transformou-se, mas ao contrário de si,rejuvenesceu-se!E já agora quando se fala de interesses culturais é mais hilariante ainda ver bares abrir como associações culturais,podendo trabalhar até ás 04h da manhã,pois como associação tem regimes diferentes!
    Imagine-se,o Bairro está encher-se de "betinhos",até pessoas relacionadas com canais de tv abrem bares(Friends/Bairro alto),ah pois esqueci-me,são uma livraria e tem interesse cultural!
    Outros existem que criticam abertura de novos bares,quando eles que tem uma licença e alvará são obrigados a encerrar,pois coitadinhos,mas esquecem-se de referenciar que trabalham sem uma ante-camara que proteja a rua do seu som barulhento e todo o mau habiente á porta fruto da clientela que vem de acordo com o tipo de musica e festas escolhidas,mas enchem a boxca para dizer que tem tudo correcto e que os novos é que estão mal!
    Há lugar para todos no Bairro,mas cá temos de novo a velha corrupção,ou seja o Bairro é moda,especulação imobiliária,os lobbies,os betinhos vem ca todos parar e pelos vistos estão a conseguir licenças quando mais ninguem consegue.
    Ou há uma investigação a sério pela Judiciária,Diap, na CML aos licenciamentos,pois começa a ser escandaloso! Gostei de ver numa reportagem (da SIC) o desgraçado do comerciante(meu colega) a queixar-se que o seu bar tinha sido fechado e a microeconomia do Bairro etc etc e tal,mas não referia que tinha mais dois estabelecimentos e a sua microeconomia é encher os putos de alcool com copos de plásticos timbrados com o nome da casa a conspurcarem o Bairro etc etc.
    Pois é,mesmo entre nós há muita hipocrisia e cinismo e no Bairro Alto há uma rivalidade cinica entre os proprietários,com sorrisos falsos e invejas!

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  3. Anónimo4/3/09 00:21

    A propósito o Bedroom não era uma loja de roupa e salão de chá?Como passou a ser miraculosamente bar? Tambêm tem componente cultural? Se tem gostaria que me xplicassem qual é?
    Este artigo é tendencioso e tenta levar o leitor ao tempo em que o Bairro Alto era elitista e fechado.
    São normais esses tipos de3 comentários,os tempos mudam e as coisas evoluem,daqui a 15anos nada vai estar igual e vão igualmente aparecer saudosistas a dizer que o Bairro Alto de agora é que era bom!
    É de salientar o forte lobbie da rua do Norte e de alguns proprietários de estabelecimentos.
    Em qualquer reportagem aparece constantemente referenciado a rua do norte, a maria caxuxa(se era fábrica,como obteve licença de bar?),Clube da Esquina, Mexe Café ou Purex, bares dançantes como o Frágil ou o Bedroom.Aliás algumas das vezes que a imprensa vem ao Bairro é através destes lobbies e foca-se essencialmente nestes estabelecimentos,indo apenas a outras ruas filmar com câmaras escondidas o tráfico de droga! Hilariante!Hilariante é tambêm esta ACBA que apenas defende interesses de alguns dos seus associados e Direcção!Enfim,uma grande macacada.
    Uma palavra ao Sr arquitecto de 45anos que diz que o Bairro "morreu",O Bairro não morreu,assim como o sr transformou-se, mas ao contrário de si,rejuvenesceu-se!E já agora quando se fala de interesses culturais é mais hilariante ainda ver bares abrir como associações culturais,podendo trabalhar até ás 04h da manhã,pois como associação tem regimes diferentes!
    Imagine-se,o Bairro está encher-se de "betinhos",até pessoas relacionadas com canais de tv abrem bares(Friends/Bairro alto),ah pois esqueci-me,são uma livraria e tem interesse cultural!
    Outros existem que criticam abertura de novos bares,quando eles que tem uma licença e alvará são obrigados a encerrar,pois coitadinhos,mas esquecem-se de referenciar que trabalham sem uma ante-camara que proteja a rua do seu som barulhento e todo o mau habiente á porta fruto da clientela que vem de acordo com o tipo de musica e festas escolhidas,mas enchem a boxca para dizer que tem tudo correcto e que os novos é que estão mal!
    Há lugar para todos no Bairro,mas cá temos de novo a velha corrupção,ou seja o Bairro é moda,especulação imobiliária,os lobbies,os betinhos vem ca todos parar e pelos vistos estão a conseguir licenças quando mais ninguem consegue.
    Ou há uma investigação a sério pela Judiciária,Diap, na CML aos licenciamentos,pois começa a ser escandaloso! Gostei de ver numa reportagem (da SIC) o desgraçado do comerciante(meu colega) a queixar-se que o seu bar tinha sido fechado e a microeconomia do Bairro etc etc e tal,mas não referia que tinha mais dois estabelecimentos e a sua microeconomia é encher os putos de alcool com copos de plásticos timbrados com o nome da casa a conspurcarem o Bairro etc etc.
    Pois é,mesmo entre nós há muita hipocrisia e cinismo e no Bairro Alto há uma rivalidade cinica entre os proprietários,com sorrisos falsos e invejas!

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  4. Anónimo4/3/09 10:55

    O bairro alto congestionado , com certeza que agradece o nascer de outros espaços nocturnos com bebidas baratas, pa acabar com os bares de apoio que se limitam a vender copos para a rua, para ver se acabam com os copos vazios nos parapeitos e ao longo das ruas, e as pessoas saindo dos bares as 2 ou as 3 ou as 4 tb saem em massa e continuam por aí a marinar, a medida das 2 da manha esta muito boa e já se nota diferença para melhor, pra pior só pos bolsos dos comerciantes de vao de escada, porque os comerciantes a serio têm uma casa em condiçoes, com uma boa area, insonorização e portanto podem la ter as pessoas ate as 4 a manha, evitando assim aglomerados na rua a fazer lixo e barulho. O bairro alto simplesmente se transformou no xeque-mate de qualquer investidor e como esta escrito na peça "fez com que os trespasses se fossem multiplicando e criaram-se subterfúgios, como os bares de apoio." ou seja, houve um crescimento sem ordem ou planeamento, por isso é que agora, varios anos depois, depois da fiscalizacao que tardou mas apareceu, é que os bares andam a volta com arquitectos e tal , para legalizarem os estabelecimentos.
    Por mais que se discuta esta situação só ha 2 formas de ver a "coisa": O bairro actual agrada muito a quem não mora la pois serve para beber copos fazer barulho, urinar á vontade e deixar lixo na rua,algo que não podem fazer noutro sitio, como é obvio agrada aos comerciantes pois estao sempre a facturar porque o bairro ta sempre cheio, e agrada a senhorios pois alugam pequenos expaços por quantias exorbitantes. Depois só resta o lado de quem lá mora desde sempre, que está cansado de tanto barulho, de tanto lixo e destruição que o bairro tem sido alvo por excesso de actividade noctuna e muita falta de civismo, que não existia nos anos 80 ou 90.

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  5. Anónimo5/3/09 17:34

    E esta recente ACBA só foi criada precisamente para o interesse só de alguns, alias o seu advogado, mto conhecido da nossa praça, tb tem 2 espaços no bairro que lhe rendem uns milhares de eur de aluguer, portanto isto está tudo perfeitamente montado. Isso de lojinhas da treta e comercio durante o dia é tudo propaganda, o q factura no bairro alto sao restaurentes, bares,bares, e mais bares, toda gente sabe isso.

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