16 setembro 2008

HÁ "ESPERANÇA" NA RUA DO NORTE


ACIMA DE PRECONCEITOS
Uma casa da moda no Bairro Alto surpreende pela boa comida e ambiente

As minhas expectativas sobre os restaurantes são muitas vezes baseadas em preconceitos. Um restaurante no Bairro Alto, de decoração modernosa e empregados de negro trajados, a servir só comida alegadamente italiana, com pizzas em metade da lista? Só pode ser mau, não é? Fast-food em cenário avant-garde, não é? Pois a verdade é que gostei imenso de ir ao Esperança, na fantástica Rua do Norte, com as suas lojas cheias de personalidade, que só não é mais simpática devido à sujidade das ruas e das paredes cobertas de grafitti, de tags ou de lá corno é que chamam àqueles estúpidos rabiscos que estragam um bairro que tem muito a dar à cidade. Mas vamos lá ver porque é que gostei tanto deste restaurante. Em primeiro lugar, gostei de ver que estava cheio, com gente à porta, apesar de ser uma terça-feira de Agosto, todos com aspecto de quem se veste para jantar com a descontracção estudada que o local pede. Depois, gostei da transformação desta antiga mercearia com luzes baixas, ambiente quente e convivial, coerência de design de loiça e talheres. Aqui, faço um reparo para um dos aspectos mais negativos da casa: os copos são inenarráveis, no género daqueles baixos onde os bascos servem o txakoli, um refresco alcoólico a que eles chamam vinho branco e que só se justifica a acompanhar pinchos. Qualquer vinho com um mínimo de ambição, branco ou tinto, fica mal neles.


Já agora vou despachar outros dois aspectos negativos. A carta de vinhos é confusa e insuficiente, embora com preços dignos de elogio. A lista de pratos está só em italiano e ninguém tem obrigação de saber em Portugal o que são pomodorini ou funghi. Uma parolice que não fica bem numa casa como esta, tanto mais que me disseram que os cozinheiros são jovens saídos das nossas escolas de hotelaria (e que estão de parabéns, desculpem lá esta irritação ... ) e não gente de origem italiana.

Vamos então à comida. Couvert com boas azeitonas e pão de alho crocante e saboroso. Pedimos de entrada uma bruschetta de tomate, focaccia e, entre as várias opções de carpaccio, o clássico, de carne. O pão da bruschetta era bom e a fatia poderia estar só um bocadinho mais grelhada, mas oferecia resistência suficiente ao dente sem estar dura. Óptimo carpaccio, na temperatura que permite sentir o sabor e a textura macia da carne, mostrando que não estava a secar no frigorífico. Já a focaccia, que para mim é mais aquele pão fofo com azeite e ervas, era uma "pizza branca", ou seja, a massa só com azeite e alecrim. Foi a única falha gastronómica da refeição, demasiado queimada e engordurada ao centro, sem se sentir a erva. Espero que as pizzas, que desta vez não provei, sejam melhores.
Nos pratos principais, a minha mulher foi para uma lasagna alla Malafaya, muito leve na utilização certa de queijo e bechamel, no recheio vegetal com beringela e cogumelos, na massa que me pareceu caseira. Para mim, spaghetti negro com gambas, também com a massa fresca e cozida no ponto num caldo de mariscos. Estes estavam um pouco rijos, mas o conjunto cumpriu muito bem.
Nas sobremesas, um bom tirasmisú e um sorvete de tangerina delicioso e caseiro. Bebendo, para variar, um pinot grigio italiano (17 euros), vinho que nunca me convenceu, mas os copos também não justificavam nada de melhor, a conta foi de cerca de 35 euros por pessoa, podendo baixar alguma coisa, já que há outras garrafas mais baratas e a cerveja vai bem com pizza. Um preço razoável. O serviço, jovem e bem apessoado, foi simpático, descomplexado, informado e atento, contribuindo para a superação das minhas preconceituosas expectativas e fazendo com que saísse do restaurante muito bem disposto e com vontade de voltar. Ainda mais porque serve até às 2h da manhã e abre ao domingo.

Duarte Calvão
Notícias Sábado
6 Setembro 2008

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