Na sua edição do passado fim de semana a revista Tabu, que integra a edição do
SOL , publica uma reportagem sobre o Bairro Alto, de que reproduzimos algumas das passagens mais significativas. Sem comentários.
Chegamos cedo e com uma pergunta: são estas ruas estreitas e escuras um sítio perigoso para sair à noite? Um inquérito rápido e informal oferece-nos uma perspectiva interessante. Pegamos numa amostra de cinco entrevistados, à porta da “ginjinha” na Rua das Gáveas. Aplicamos a pergunta: “ Já tiveste algum stress no Bairro?”. A categoria “sim” soma quatro respostas. O único que responde “não”acrescenta um mas. “Mas conheço alguém que…” diz André, técnico informático de 27 anos. Alguém que: a) ficou sem carteira; b) ficou sem telemóvel; c) ficou sem maço de tabaco; d) todas as anteriores. Quem não foi vítima de delitos menores facilmente nos conta relatos na terceira pessoa do singular: “O meu primo ficou sem o telemóvel quando estava a ir para o carro”, completa André. (…) E a Polícia? ”Fazer queixa para quê. Eles vão-se mexer por causa de um telemóvel?” pergunta António,19 anos, de braços abertos e um Nokia novo a menos desde que foi surpreendido por quatro mitras (miúdo de bairro problemático) no final de uma noite. A resignação – intervalada com alguma indignação de última hora – parece ser a melhor atitude a tomar.
Nas primeiras horas da noite é difícil encontrar polícia a patrulhar as ruas do Bairro Alto. (…)
Um acordo tácito com a Polícia permite que as forças da lei e vendedores de droga convivam pacificamente
Quem conhece o Bairro (do mais assíduo ao cliente esporádico) sabe que esquina sim esquina não, há quem insista em sussurrar “haxixe-ganza-coca” como se fosse uma palavra só, num dialecto apenas destinado a ser percebido pelos interessados em comprar. Toda a gente sabe o que fazem e por onde param. São os dealers, os vendedores de droga, os ciganos - rótulo que se vulgarizou com o uso e é hoje mais um problema lexical do que xenofobia, já que nem todos os “comerciantes” partilham da etnia.
Conseguimos ganhar a confiança de um deles depois de garantir anonimato e virar a objectiva da máquina fotográfica 180º. Contou-nos, sem nunca tirara os olhos das quatro ruas que controla, que a sua presença é ali tolerada pela Polícia. Ele e os colegas acumulam à venda outra função: uma espécie de vigilância: “ A gente aqui não deixa que roubem. Era mau para o nosso negócio.” Um acordo tácito com a Polícia permite que as forças da lei e vendedores de droga convivam pacificamente. Conhecem-se os nomes, as caras. Uns e outros cruzam-se, trocam olhares e seguem caminho.
Esta situação de “paz conveniente” não deixa nada satisfeito Belino Costa, presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto. Os dealers encabeçam a lista de queixas do dono da loja de bebidas Ulitro, “esses grupos começaram a ocupar as esquinas do bairro e a oferecer produtos ilegais de forma agressiva”. Pior, só mesmo a “impunidade” com que o fazem, tudo porque “a Polícia diz que aquilo que eles vendem não é droga”. Levamos essa suspeita até ao “nosso” dealer que responde com um lacónico “depende”. Se se conseguir a confiança junto de do vendedor então as hipóteses de se fazer um bom negócio aumentam. Garantida a intimidade, fica garantida a qualidade. (…)
É subir até à Travessa da Queimada e não passar daí
Um hipotético guia de sobrevivência do Bairro Alto aconselharia a alguns cuidados básicos. Se nos mantivermos entre as ruas da Rosa e da Misericórdia, subindo apenas até à Travessa da Queimada, não devemos encontrar problemas de maior: “ É subir até à Travessa da Queimada e não passar daí”. O conselho informal (não é uma ordem) vem de um dos polícias da patrulha numa noite de sábado. “ Daí para cima é que costuma haver mais confusão”. O Mercado do Bairro Alto é o ponto de referência para os traficantes de esquina. (…) Assaltos acontecem mas é o regresso a casa que regista o maior número de casos. Ruas como a do Alecrim, Calçada do Combro, ou o próprio Chiado podem esconder problemas. “São grupos dos bairros problemáticos que, juntos, podem arranjar chatices. Mas são situações de ocasião.”
Relatos de assaltos no bairro têm em comum quatro factores: a rua escura, pouco movimentada, o adiantado da hora., a presença de grupos vindos de bairros problemáticos de Lisboa e o azar. Não era preciso assistir a um para explicar como funciona. Estávamos avisados, mas por acaso (ou distracção) demos por nós numa dessas situações. Às 3h30 no final da rua das Mercês – quase em cima da Travessa da Queimada – três indivíduos aproximam-se a pedir um cigarro. Depois de ignorados, o pedido aumenta em veemência e quantidade: “Dá-me dois, três, quatro. Dá-me o maço”. A pose era de confronto, mas o porte, (não deviam ter mais de 16 anos) não impunha o respeito suficiente. O mais empenhado acabou mesmo por levar um empurrão e os três seguiram rua abaixo entre ameaças e palavrões. Passou o susto sem quaisquer danos a assinalar, mas recuperamos as palavras do polícia de giro: “São indivíduos que actuam em grupo, às vezes para se afirmar. No meio da confusão podem sacar de uma navalha.”
Luís Miranda
Revista Tabu, ( páginas 42 a 48) jornal” SOL”, edição de 17 de Novembro de 2007