02 outubro 2011

EMEL GANHOU PRÉMIO MAS NÃO FALTAM CRÍTICAS




Por Marisa Soares

A Emel ganhou um prémio pela forma como gere o estacionamento nos bairros históricos de Lisboa, mas nem todos estão satisfeitos. Do lado dos utilizadores questiona-se a eficácia do modelo em vigor.
Quinta-feira, 16h05. O intenso movimento de automóveis na Rua dos Remédios, no bairro lisboeta de Alfama, denuncia o que Vasco Santos, dono de uma loja que fica à entrada da rua, está farto de ver. O pilarete metálico que condiciona o acesso à zona está desactivado e qualquer carro pode entrar. "Só não passa quem não quer." Entram várias carrinhas de mercadorias, outros tantos veículos particulares, com e sem dístico de residente. Alguns estacionam durante horas em locais proibidos, indiferentes às placas que só permitem a paragem para cargas e descargas, como se ali não valessem as regras do código da estrada.
A falta de fiscalização é uma das principais falhas apontadas ao sistema de estacionamento condicionado nos bairros históricos, gerido pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel). No entanto, o modelo, que começou a funcionar no Bairro Alto desde 2003 e se estendeu a Alfama, Bica e Santa Catarina e Castelo, foi recentemente premiado como o mais inovador na categoria de estacionamento à superfície pela Associação Europeia de Estacionamento.
O júri esteve em Lisboa em Junho e decidiu premiar o "trabalho de excelência" desenvolvido pela Emel, em vez dos projectos de duas empresas na Irlanda e em Inglaterra. Mas quem lida com o sistema todos os dias nota falhas, como a ausência de fiscais e as avarias frequentes do equipamento que condiciona a circulação.
"Nunca vi um fiscal da Emel por aqui", garante o presidente em exercício na Junta de Freguesia da Sé, uma das que estão abrangidas pelo sistema. João Martins também o critica por formar um "gueto" onde nem todos podem entrar. "Parece-me forçado", afirma. A entrada de veículos está reservada a residentes com identificador de Via Verde, ou com um dístico de residente que custa 12 euros, e a comerciantes com o cartão pré-pago Viva Viagem Bairros Históricos. Este cartão pode ser adquirido igualmente por visitantes por 25 euros, e permite a permanência gratuita no bairro durante meia hora. A partir daí, uma hora custa 15 euros.
O sistema funciona com pilaretes e intercomunicadores colocados nasentradas e saídas dos bairros. Mas quando os pilaretes estão desactivados - o que, dizemcomerciantes, moradores e autarcas, acontece com frequência - qualquer veículo entra e estaciona onde e quando quer.
Na freguesia da Sé, incluída na zona de estacionamento condicionado de Alfama, a Rua do Barão é um dos "pontos negros". Na quinta-feira passada, às 17h20, o pilarete estava rebaixado para quem quisesse entrar. Partindo dali para as ruas estreitas do bairro, viam-se carros estacionados em cima dos passeios, muitos sem dístico de residente. Um carro preto cheio de pó e teias de aranha nos espelhos, sem dístico ou outro selo visível, parecia estar abandonado há meses num local proibido. Mais à frente, no Largo do Salvador, havia três lugares marcados no chão e oito carros estacionados.
Pilaretes em baixo
"O problema que tínhamos antes [da instalação do sistema] tinha mais a ver com o estacionamento dos carros, não com as entradas e saídas", diz José Duarte, da Associação de Comerciantes de Alfama. Agora, o problema mantém-se e por isso acha "estranho" o prémio ganho pela Emel. "Muitas pessoas entram com o pilarete em baixo, deixam o carro no bairro e vão trabalhar. Ao fim do dia saem sem dificuldade." Uma moradora do bairro, Maria Costa, confirma: "Vemos carros sem dístico na rua durante vários dias e não passa ninguém a multar."
Na freguesia do Castelo não é muito diferente. O presidente da junta, Carlos Lima, diz que a Emel criou uma "bolsa de estacionamento" para os residentes perto do Castelo de S. Jorge, mas "os pilaretes estão muitas vezes inoperacionais". A situação tem piorado nos últimos dois a três meses, refere. O presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, Belino Costa, caracteriza o sistema como "vulnerável".
Por outro lado, quando o equipamento funciona, há casos de "excesso de zelo", critica José Duarte, recordando um episódio de há meses: "Vinha o carro funerário para ir buscar um cadáver à morgue, mas não o deixaram entrar [na Rua do Barão, em Alfama] e tiveram de levar o caixão em braços até à Sé."O porta-voz da Emel, Diogo Homem, garante que os funcionários da empresa fazem "fiscalização regular" - excepto à noite, a partir das 19h -, mas não foi possível reunir em tempo útil dados sobre o resultado dessa actividade. Já o responsável pela área de Novos Produtos e Soluções de Mobilidade, Nuno Bonneville, admite que "nem sempre é fácil manter o sistema completamente operacional durante 24 horas por dia", devido ao vandalismo. Dá o exemplo da Rua do Barão, que dá acesso ao Largo de S. Miguel, uma zona sinalizada por tráfico de droga. O mesmo se passa no Castelo e em Santa Catarina. "Há coisas que nos ultrapassam", afirma.
A estes casos somam-se os acidentes. Só no ano passado, 178 carros chocaram contra pilaretes nos quatro bairros. O sistema só permite a passagem de um carro de cada vez e tem um semáforo a controlar. "Muitas vezes um carro passa e o que está atrás pensa que pode também passar, avança e fica preso", diz João Martins. "Quem nunca ali passou não tem de saber como funciona." Porém, Nuno Bonneville garante que "é com os taxistas que se regista o maior número de acidentes", embora sejam eles "quem conhece melhor o sistema".
Apesar dos pontos negativos, o porta-voz da Associação de Comerciantes de Alfama não tem dúvidas de que, "como estava antes, a situação era insustentável". A Emel não tem dados sobre o número de carros e lugares disponíveis antes da entrada em funcionamento do sistema. Mas nos últimos anos registou-se uma tendência para o decréscimo das entradas nos bairros, mais acentuada em 2009. No ano passado, porém, entraram mais carros. Só em Alfama, onde existem 234 lugares, 636 residentes e 49 comerciantes autorizados a entrar, as entradas mais do que duplicaram.
As entradas são supervisionadas numa sala cheia de computadores, com mapas e tabelas projectadas na parede, onde funciona o "cérebro" do sistema. As imagens captadas pelas câmaras à entrada e à saída das zonas condicionadas são vistas em tempo real por dois funcionários da Emel 24 horas por dia, 365 dias por ano. Dali respondem quando os condutores tocam à campainha no intercomunicador e accionam os meios necessários em caso de embate de veículos contra os pilaretes.
São também eles que decidem baixar o pilarete em casos "excepcionais", como, por exemplo, quando alguém tem de entrar no bairro para levar pessoas com mobilidade reduzida. Essa gestão "oportuna" dos meios "em conformidade com o comportamento da procura" foi destacada pela Associação Europeia de Estacionamento na atribuição do prémio. A Emel está agora a testar a possibilidade de alguns utilizadores, como hotéis ou instituições sociais, fazerem baixar os pilaretes por controlo remoto. Só no próximo ano se saberá se é possível.