Memória de Bocage
por António Mendes Nunes,
Nas biografias de Manuel Maria Barbosa du Bocage consta com precisão onde nasceu, quem eram os pais, por onde andou, o que fez, a sua obra, onde esteve preso (às ordens de Pina Manique), onde viveu os últimos dias e até de que morreu, mas é pouco conhecido o local onde foi sepultado e o descaminho trágico que os seus ossos levaram. Júlio de Castilho, no volume III do "Bairro Alto", conta-nos a história.
Bocage morreu na sua casa, na Travessa André Valente, no actual nº 25, ao Bairro Alto, a 21 de Dezembro de 1805, com 40 anos, vítima de aneurisma. Nessa altura, no quarteirão entalado entre a Rua dos Caetanos, a Travessa das Mercês e a Rua Luz Soriano, existia um cemitério.
Na sequência da vitória dos liberais, em 1834, foram proibidos os enterramentos em igrejas e adros, tendo-se construído os dois grandes cemitérios de Lisboa, o dos Prazeres e do Alto de S. João. Esteve muitos anos abandonado o pequeno cemitério das Mercês, até que em 1897 foi o espaço vendido em hasta pública para nele se construir uma fábrica de carruagens. O construtor, Oliveira Silva, homem de alguma cultura, sabia que no coval 36 estava sepultado Bocage. Apesar dos seus esforços, apenas conseguiu promessas. Conforme podia, Oliveira Silva lá ia deixando aquela parte do chão do cemitério para o fim. Mas a incúria e a burocracia acabaram por atirar os restos mortais do poeta para uma vala comum do Alto de S. João.