24 outubro 2008

COMERCIANTES APELAM AO DIÁLOGO

Lisboa: Comerciantes do Bairro Alto apelam ao diálogo sobre limitações de horários

Lisboa, 24 Out (Lusa) - A Associação de Comerciantes do Bairro Alto lançou hoje um apelo de "diálogo" à Câmara de Lisboa sobre as limitações dos horários dos estabelecimentos comerciais que, afirma, podem comprometer a "viabilidade económica" de muitas empresas.
Apesar de o despacho do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa (PS), que estabelece as novas regras, já ter sido publicado, para entrar em vigor a 1 de Novembro, os comerciantes consideram que "vale a pena avaliar o impacto [das medidas] e corrigir o que se vier a verificar não se justificar".
"Este despacho pode comprometer seriamente a viabilidade económica de muitos estabelecimentos nomeadamente aqueles que se dirigem a um público mais exigente", afirmou em conferência de imprensa o presidente da associação, Belino Costa.
O representante dos comerciantes referiu que houve duas reuniões com a autarquia para discutir as limitações de horários, tendo a ultima sido realizada em Abril.
"De Abril até Outubro, nunca mais fomos contactados nem nos foi solicitada qualquer opinião sobre os horários. Tomámos conhecimento da decisão final no dia em que o senhor presidente da Câmara veio ao Bairro Alto anunciar a intervenção", declarou, sublinhando que "o processo poderia ter sido mais democrático".

Apesar de estar acompanhado pelo advogado João Nabais, na qualidade de "amigo" da associação, o representante dos comerciantes assegurou que a associação não vai desencadear qualquer acção judicial.
"Não está prevista nenhuma acção judicial. Estamos a fazer um apelo ao diálogo e à concertação, não faria sentido", argumentou.
De acordo com um despacho do presidente da Câmara, as cervejarias, restaurantes, snack-bares e self-services estarão abertos todos os dias entre as 09:00 e as 02:00, cafés e casas de chá, entre as 06:00 e as 24:00, cabarets, pubs e bares, entre as 17:00 e as 02:00.
Os clubes, boîtes, dancings e casas de fado funcionam à sexta-feira, sábado e vésperas de feriado entre as 17:00 e 04:00, e nos restantes dias entre as 17:00 e as 02:00.
Os comerciantes contestam que os bares não possam abrir antes das 17:00, ilustrando com o Solar do Vinho do Porto, com horário entre as 11:00 e as 24:00.

A associação condena sobretudo que as juntas de freguesia (Mercês, Sacramento, Santa Catarina e São Paulo) dêem parecer favorável às eventuais excepções aos horários de estabelecimentos da sua área.
João Nabais afirmou que com este parecer, que disse ser vinculativo, está aberta a porta para a "arbitrariedade" e "compadrio".
António Costa justificou, no despacho em que define os novos horários de funcionamento que entram em vigor dia 1 de Novembro, as medidas com a qualidade de vida dos moradores.
No documento, referiu que os moradores "têm vindo a apresentar junto da Câmara Municipal de Lisboa, do Governo Civil bem como da Provedoria de Justiça inúmeras reclamações, denunciando o incómodo repetido e constante originado pelo funcionamento de muitos estabelecimentos comerciais até de madrugada".
"A Câmara Municipal de Lisboa foi já instada pelas Juntas de Freguesia, pela Provedoria de Justiça, pelo Governo Civil de Lisboa, entre outras entidades, a tomar medidas que visassem conter a perturbação constante do repouso dos residentes, tendo sido mesmo solicitada a limitação dos horários de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas", defende.
A limitação de horários insere-se no plano de intervenção no Bairro Alto, que inclui também a limpeza de fachadas e um protocolo com o Ministério Público que prevê, para casos de flagrante delito a pintar "graffitis", a suspensão provisória do processo.
Com esta medida, que exige o acordo do proprietário do imóvel danificado e do infractor, o infractor não vai a julgamento, a infracção não consta do seu registo criminal mas é sujeito a "injunções", que vão desde a limpeza e pintura das fachadas à interdição de frequência do Bairro Alto.
A intervenção no Bairro Alto inclui igualmente o reforço de policiamento, um estudo para a instalação de videovigilância, reforço da iluminação e mudança de horários nocturnos dos estabelecimentos comerciais.
Esta intervenção, que a autarquia candidatou junto do Instituto de Turismo a financiamento pelas contrapartidas anuais do Casino de Lisboa, envolve um investimento de 1,2 milhões de euros.
ACL.
Lusa/Fim.

2 comentários:

  1. Leiam o Editorial do CM de hoje!!

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  2. Opinião
    Poder no Bairro Alto
    Em nome da regulação tão na moda neste tempo de crise financeira, a Câmara de Lisboa despachou novos horários para os estabelecimentos de restauração e bebidas no Bairro Alto.

    A intervenção do poder político passaria sem mais se não surgisse envolvida dos piores hábitos: a mão invisível da máquina partidária e o arbítrio burocrático, que deixa todos à mercê do poder político da corrupção.

    O caso do Bairro Alto não é único. Tem, no entanto, uma bela carga emocional. Para o presidente da Câmara, António Costa, que conhece a zona desde criança e refere em despacho o emblemático da 'particularidade arquitectónica' e a 'imprensa que aí inicialmente se instalou'. Para muitos jornalistas, como eu, que ali tiveram a sua primeira redacção. Lembro, antes do 25 de Abril, do mesmo Bairro Alto ter redacções onde se escrevia livremente e os serviços estatais de censura prévia que amordaçavam a liberdade. Recordo também a dúzia de anos a trabalhar diante de uma varanda, sobre a estreita rua Diário de Notícias, com vista próxima para um quarto de serviços sexuais. De cada lado via-se o trabalho do outro. Eu a teclar com dois dedos e a emendar os linguados seguia a cinco metros as actuações de sexo ao vivo não permitidas em nenhum estabelecimento do bairro.

    Os ‘peepshows’ estão ainda hoje fora da classificação dos estabelecimentos das 45 ruelas e travessas abrangidas pelo despacho. Mas não é isso que provoca polémica. O problema está na mão escondida da máquina partidária, visível nos poderes especiais que se atribuem à junta de freguesia. Pertence-lhe dar parecer sobre classificação de estabelecimentos – há desde casa de chá a cabaret – e, assim, fixar horários. E sabe-se como este poder é perverso. Na vida nacional, os empresários não se sentem à vontade para aparecer numa lista de pessoas a quem o Estado deve. No Bairro Alto, os autarcas não têm contenção a dizer o que não lhes agrada. Não gostam de certos dirigentes associativos; não gostam dos seus comunicados; não gostam até que nas últimas eleições municipais o colectivo dos comerciantes recebesse a candidata Helena Roseta, a única que aceitou o convite feito a todos os concorrentes à presidência da câmara.

    Máquinas partidárias liberais não existem. Há sempre mãos invisíveis a querer agarrar o que têm ao seu alcance. No Bairro Alto e no resto do Mundo. O melhor é, por isso, estar tão atento à tal ganância selvagem de ambiciosos capitalistas como à fúria dos reguladores. Tudo devido à perigosa realidade de com leis e burocracia se gerarem gananciosos igualmente nefastos à sociedade.
    João Vaz, jornalista

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